Capitulo do livro “Por que acreditam as pessoas em coisas estranhas?” , de Michael Shermer, editor da revista SKEPTIC, diretor da Skeptics Society.
Shermer, M. “Por que acreditam as pessoas em coisas estranhas?”, pg.273 -279 Editora Replicação LTDA Lisboa, 2001
Por que acreditam as pessoas em coisas estranhas?
Na noite de quinta-feira, 16 de maio de 1996, caminhei descalço sobre carvões em brasa para um programa chamado “Bill Nye- the Science Guy”. Os produtores desta esplendida série científica educacional concebida para crianças queriam fazer um episódio sobre pseudociência e o paranormal, e pensaram que uma explicação do caminhar sobre brasas teria um forte impacto na televisão. Visto que Bill Nye é o herói da minha filha, concordei em apresentar a caminhada sobre brasas. Bernar Leikind, um físico de plasma e um dos maiores especialistas neste campo, ateou o lume, espalhou os carvões e caminhou sobre eles, sem sapatos, péugas ou bolhas. Quando me dirigia para os carvões, Leikind lembrou-me que a temperatura no meio do caminho era de 425 Celsius. Tentei concentrar-me na certeza de que não era uma questão de poder do pensamento positivo, e sim da física. Por analogia quando cozemos um bolo num forno, o ar, o bolo e a forma de metal estão todos a 205 ºC, mas só a forma queima nossa pele. Os carvões em brasa, mesmo a 425o.C são como o bolo – Não conduzem calor muito depressa- por isso, desde que eu caminhasse depressa por cima deles, tudo correria bem. Os meus dedos dos pés descalços, a centímetros de distancia dos carvões em brasa, estavam cépticos. Aquilo não era andar por cima de um bolo, diziam ao meu cérebro. Não era, mas seis passos e seis segundos depois, ainda estavam em condições de andar. A minha confiança na ciência estava recuperada, até o dedão do pé.
Caminhar sobre carvões em brasa. Que coisa estranha. Tenho arquivos e estantes cheios de coisas estranhas deste gênero. Porém, o que constitui uma coisa estranha? Não tenho uma definição formal. As coisas estranhas são como a pornografia – difíceis de definir, mas óbvias quando as vemos. Cada afirmação, caso ou pessoa deve ser examinado individualmente. A coisa estranha de uma pessoa pode ser a crença estimada de outra pessoa. Quem pode dizer?
Bem, um critério – o critério de escolha para mim e para milhões de pessoas – é a ciência. Qual é, perguntamos nós, a prova científica de uma afirmação?
Tony Robbins, a mega-estrela infomercial, o guru da auto-ajuda que começou a sua carreira no início dos anos 80 fazendo seminários semanais que culminavam numa caminhada sobre carvões em brasa, pergunta à assistência: “O que aconteceria se descobrissem uma maneira de alcançar qualquer objetivo neste momento?” Se conseguem andar sobre carvões, dizia Robbins, conseguem qualquer coisa. Tony robbins consegue realmente andar em carvões em brasa sem queimar os pés? Claro que consegue. Também eu consigo. E o leitor também. Só que nós conseguimos faze-lo sem meditar, entoar cânticos ou pagar centenas de dólares por um seminário, porque andar sobre carvões em brasa não tem qualquer ligação com poder mental. Acreditar nessa ligação é o que eu chamaria de coisa estranha.
Pessoas que caminham sobre carvões em brasa, médiuns, especialistas em ÓVNIS, pessoas raptadas por extra-terrestres, objectivistas, criacionistas, contestadores do holocausto, afrocentristas extremos, teóricos raciais e cosmólogos que acreditam que a ciência prova a existência de Deus – já conhecemos muitas pessoas que acreditam em coisas estranhas. E garanto que após duas décadas que ando atrás destas pessoas e crenças, há muitas outras. O que devemos pensar disto?
- A whole Life Expo organiza workshops sobre tópicos como “Caça Eletromagnética de Fantasmas”, “megacerebro: Novas Ferramentas para a expansão da Mente”. Ou “Lazaris – O guru de 35 mil anos canalizado por Jach Pursel”
- A cúpula Intensiva de Expansão do Cérebro/ Mente “concebida por John-David para um vasto leque de aplicações de expansão do Cérebro/mente, incluindo reeducação de danos cerebrais. A cúpula vem com um treino “abrangente de som e termo de certificação, Decks estéreos, amplificadores, cabos e misturador de Matriz do Cérebro/mente (patente pendente). Materiais para insonorização e consulta também incluídos”
- Etc.
Jach Pursel pode realmente falar com alguém morto há dezenas de milênios? Parece um tanto improvável. Parece mais crível que estejamos a ouvir a imaginação fértil de Jack Perseu. A cúpula Intensiva de Expansão do Cérebro/mente cura de fato danos cerebrais? Vejamos a prova desta magnífica afirmação. Não há.
O que se passa na nossa cultura e pensamento que nos leva a tais convicções? Abundam teorias proferidas por cépticos e cientistas: falta de instrução, deficiência em educação, falta de pensamento crítico adequado, ascensão da religião, declínio religião, substituição da religião tradicional por cultos, medo da ciência, a Nova Era, regresso à idade das trevas, demasiada televisão, leitura insuficiente, leitura dos livros errados, maus pais, péssimos professores, e simplesmente ignorância e estupidez. Um correspondente do Canadá enviou-me aquilo que chamou de “a mais vil encarnação daquilo que tem de enfrentar”. Era um cartaz de cartolina cor-de-laranja fluorescente da livraria local no qual estava rabiscado “A SECÇÃO NOVA ERA FOI MUDADA PARA SECÇÃO DE CIÊNCIA”. “Estou verdadeiramente assustado com a facilidade com que a sociedade está a substituir a investigação e o exame crítico pelo vodu e a superstição”. Se houvesse um ícone para mostrar até onde este fenômeno penetrou na nossa cultura, seria certamente este cartaz”. Como cultura parece que temos dificuldade em distinguir ciência de pseudociência, a história da pseudo-história e o bom senso do disparate, mas acho que o problema é um pouco mais intrincado do que isso. Para o percebermos temos de escavar as camadas de cultura e sociedade para chegarmos à mente e coração humanos individuais. Não há uma única resposta à questão “Por Que as Pessoas Acreditam em Coisas Estranhas?”, mas podemos apanhar algumas questões subjacentes, todas ligadas umas às outras:
a) C redo Consolans. Mais do que qualquer outra, a razão porque as pessoas acreditam em coisas estranhas é por quererem. Fá-las sentirem-se bem. É reconfortante. Consola-as. De acordo com uma sondagem Gallup de 1996, 96% dos americanos adultos acreditam em Deus, 90% no céu, 79% em milagres e 72% em anjos (Wall Street Journal, 30 de janeiro, p. 08). Os cépticos, ateus e militantes anti-religião, nos seus esforços para minar a crença num poder superior, na vida após a morte e na providencia divina, estão a enfrentar dez mil anos de história e possivelmente cem mil anos de evolução (se a religião e a crença em Deus têm uma base biológica, no que alguns antropólogos acreditam). Ao longo de toda a história registrada, são vulgares por todo o globo crenças e porcentagens semelhantes. Até surgir um substituto secular adequado, é improvável que estes números mudem significativamente.
Os cépticos e os cientistas não estão imunes. Martin Gardner – um dos fundadores do movimento céptico moderno e assassino de todo o tipo de crenças estranhas – classifica-se tenista filosófico ou, um termo mais alargado, fideísta. Gardner explica:
“O fideísmo é acreditar numa coisa com base na fé, ou em razões emocionais em vez de intelectuais. Como fideísta, acho que não há argumentos que provem a existência de Deus ou da imortalidade da alma. Mais do que isso, acho que os melhores argumentos estão do lado dos ateus, portanto é uma questão de crença emocional quixotesca que na verdade vai contra as provas. Se tivermos fortes razões emocionais para uma crença metafísica e esta não for nitidamente contraditada pela ciência ou pelo raciocínio lógico, temos o direito de recorrer à fé se isso nos proporcionar satisfação suficiente.”
De igual modo, à pergunta freqüentemente feita “qual é a sua posição relativamente à vida após a morte?”, a minha resposta padrão é “Sou a favor, evidentemente.” O facto de eu ser a favor não quer dizer que vá tê-la, mas quem não a quereria? Acreditar em coisas que nos fazem sentir melhor é uma reação muito humana.
b) Gratificação Imediata. Muitas coisas estranhas oferecem uma compensação imediata. A linha do médium com um valor acrescentado (no Brasil, serviços tipo 0900) é um exemplo. Um amigo meu que é mágico/mentalista trabalha numa dessas linhas, por isso tive o privilégio de saber como o sistema trabalha do lado de dentro. A maior parte das companhias cobra $3,95 (dólares) por minuto, com o médium a receber, se ele trabalhar sem parar 60 cents por minuto, dá $36,00 por hora para o médium e $ 201 por hora para a companhia. O objetivo é manter as pessoas que telefonam em linha o tempo suficiente para haver um bom lucro, mas não tanto tempo que as pessoas se recusem a pagar a conta do telefone. Actualmente, o recorde de uma única chamada do meu amigo é de 201 minutos, por um total de $793,95! As pessoas telefonam por um dos quatro motivos: Amor, saúde, dinheiro e carreira. Usando técnicas de leitura a frio, o médium começa por generalidades e vai seguindo até pontos específicos. “Sinto que há alguma tensão na sua relação- um de vocês está mais empenhado do que o outro.”; “Tenho a sensação que as pressões financeiras estão a causar-lhe problemas.”; “Tem andado a pensar em mudar de carreira”. Afirmações banais deste gênero são quase todas verdadeiras para quase todas as pessoas. Se o seu médium escolher a errada, ele só tem de dizer que acontecerá – no futuro. E o médium só tem de ter razão de vez em quando. As pessoas que telefonam esquecem os fracassos e lembram-se dos êxitos e, o que é mais importante, querem que o médium tenha razão. Os cépticos não gastam $3.95 por minuto em linhas de médiuns, ao contrário dos crentes. Estes telefonam principalmente à noite e aos fins de semana, e a maior parte precisa de alguém com quem falar. A psicoterapia tradicional é formal, dispendiosa e faz perder tempo. Uma compreensão profunda e uma melhoria podem levar meses ou anos. A norma é atraso da recompensa, a exceção é satisfação instantânea (em psicoterapia). Pelo contrário, o médium está apenas incluindo a um telefonema de distância. Muitos médiuns de linhas de valor acrescentado, incluindo o meu amigo classificam-as como “aconselhamento dos pobres”. A $3.95 por minuto tenho de discordar. Curiosamente, as duas principais associações de médiuns está em conflito com os chamados “verdadeiros médiuns”, que acham que os médiuns “entratainers” estão a fazê-los passar por impostores.
c) Simplicidade. A recompensa imediata de uma crença é facilitada por explicações simples para um mundo muitas vezes complexo e contingente. Coisas boas e más acontecem a pessoas boas e más, aparentemente ao acaso. As explicações científicas são muitas vezes complicadas e requerem treino e esforço para ser trabalhadas. A superstição e a crença no destino e no sobrenatural fornecem um caminho mais simples pelo complexo labirinto da vida. Vejamos o seguinte exemplo de Harry Edwards, diretor da SKEPTICS SOCIET australiana.
Como experiência, a 08 de março de 1994, Edwards publicou uma carta no seu jornal local em St. James, na Nova Gales do Sul, sobre sua galinha de estimação, que, se empoeirada no seu ombro, lá ia deixando ocasionalmente uma prenda. Registrando a hora e localização dos depósitos da galinha, e correlacionando-os com acontecimentos, Edwards disse aos leitores que era beneficiário de boa sorte. “Ao longo das últimas semanas ganhei a loteria, devolveram-me dinheiro de que eu havia me esquecido completamente e recebi uma grande encomenda dos livros que publiquei recentemente”. O filho de Edwards que também anda com a galinha e suas marcas, uma vez “encontrou carteiras com dinheiro que devolveu aos donos, recebendo recompensas, de outra vez encontrou um relógio de pulso e um cartão telefônico por usar. Edwards explicou a seguir que levou as penas da galinha a um quiromante, “verifiquei o horóscopo dela e consultei um leitor de vidas que confirmou que ela era um filantropo reencarnado destinado a espalhar a boa sorte vendendo o produto”. Terminou a carta oferecendo-se para vender usa treta da galinha da sorte e dando um endereço onde os leitores deveriam enviar o dinheiro. Edwards escreveu-me de forma exuberante : “Como acredito firmemente que uma pessoa pode vender qualquer coisa desde que esteja associada a boa sorte, quer acredite, quer não, recebi duas encomendas de $20 pela minha “Treta da Galinha da Sorte”!
Acredito.
d) Moralidade e Valores. Actualmente os sistemas científicos e seculares de moralidade e valores revelaram-se relativamente insatisfatórios para a maior parte das pessoas. Sem crença num poder superior, perguntam as pessoas, para quê ter moral? Qual é a base da ética? Qual o sentido supremo da vida? Qual é o objetivo disso tudo? Os cientistas e os humanistas seculares têm boas respostas para estas boas perguntas, mas por muitas razões estas respostas não chegam à população em geral. Para a maior parte das pessoas, a ciência parece oferecer apenas uma lógica fria e brutal na sua apresentação de um universo infinito, sem amor, sem objetivo. A pseudociência, a supertição, o mito, a magia e a religião oferecem cânones simples, imediatos e reconfortantes de moralidade e significado. Como eu costumava ser cristão renascido, simpatizo com aqueles que se sentem ameaçados pela ciência. Quem se sente ameaçado?
Tal como as outras revistas, de vez em quando a SKEPTIC envia um mailing a dezenas de milhares de pessoas para aumentar sua circulação. Os nossos mailings incluem um envelope de resposta, juntamente com literatura sobre a Skeptcs Society e a SKEPTIC. Nesses mailings nunca discutimos religião, Deus, Teísmo, ateísmo, ou seja o que for relacionado com estes temas. No entanto, de cada vez recebemos dúzias de dos nossos envelopes com os portes pagos enviados por pessoas obviamente ofendidas com a nossa existência. Alguns dos envelopes estão cheios de lixo ou jornal rasgado; um estava colado a yuma caixa cheia de pedras. Alguns contem a nossa própria literatura rabiscada com mensagens de maldição e trevas: “Não obrigado – não há ninguém tão cego como aquele que não quer ver”, diz uma. “não, obrigado, dispenso o vosso fanatismo anti-religioso”, diz outra. “Incluindo vocês, os cépticos, todos os joelhos se dobrarão, todas as línguas confessarão que Jesus Cristo é o Senhor” avisa uma terceira. Muitos estão cheios de panfletos e literatura religiosos. Uma pessoa enviou-me um !BILHETE GRATUITO NO. 777 ENTRADA ETERNA PARA PASSAR A ETERNIDADE NO CÉU COM JESUS CRISTO, O FILHO DE DEUS”. O “preço da passa agem é simples: Só tenho de reconhecer Jesus Cristo como meu salvador e senhor. NESSE PRECISO MOMENTO fica salvo para sempre!”. E se não o fizer? No verso outro bilhete explica: “BILHETE GRATUITO PARA PASSAR A ETERNIDADE NO LAGO DO FOGO COM O DIABO E SEUS ANJOS.” O número do bilhete? 666!
Se houvesse uma só coisa que os cépticos, os cientistas, os filósofos e os humanistas pudessem fazer para lidar com o problema geral da crença em coisas estranhas, acho que construir um sistema significativo e satisfatório de moralidade e significado seria um bom ponto de partida.
e) A esperança brota eternamente: Ligando todos estes motivos está esta frase. Expressa minha convicção de que os humanos são, por natureza, uma espécie que olha para frente e que procura níveis mais altos de felicidade e satisfação. Infelizmente o corolário é que os seres humanos estão demasiadas vezes dispostos a procurar alcançar promessas irrealistas de uma vida melhor ou a acreditar que uma vida melhor só pode ser alcançada agarrando-se à intolerância e ignorância, menosprezando as vidas das outras pessoas. E por vezes, quando nos concentramos numa vida futura, perdemos o que temos nesta vida. É uma fonte de esperança diferente, mas não deixa de ser esperança: esperança que a inteligência humana, comparada com compaixão, possa resolver os nossos inumeráveis problemas e aumentar a qualidade de cada vida; esperança de que o progresso histórico continue a sua marcha em direção a uma maior liberdade e aceitação de todos os humanos; e a esperança de que a razão e a ciência, bem como o amor e a empatia, possam ajudar-nos a compreender o nosso Universo, o nosso mundo e nós próprios.
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